Segundo Alexandre Teixeira, atitude de "eterno aprendiz" será um dos diferenciais para se manter no mercado de trabalho do futuro Divulgação
Como se manter relevante no mercado de trabalho em um mundo cada vez mais guiado pela inteligência artificial e pelos algoritmos? O que os profissionais e empreendedores da Nova Economia precisam saber sobre essas transformações e como a pandemia do novo coronavírus está acelerando essas mudanças?
Para conversar sobre esses assuntos, a plataforma A Vida no Centro entrevistou o jornalista, palestrante e escritor Alexandre Teixeira, que em breve lançará, em parceria com Clara Cecchini, um livro sobre o impacto das novas tecnologias de automação no mundo do trabalho.
“As máquinas já criam em todos os campos, inclusive no artístico, mas num nível em que ainda não se tornaram uma ameaça ao trabalhador de carne e osso”, afirma Teixeira, que também é um dos fundadores da ODDDA, nova plataforma de tendências em desenvolvimento humano. “Por isso, pensar em aprender sempre e se perguntar o tempo todo ‘qual a próxima coisa que preciso aprender’ – e também ser ágil para adquirir novas disciplinas e se desapegar de coisas que já aprendeu antes – talvez nos dê uma ideia de como se manter um passo à frente da automação”.
Com passagem por alguma das principais redações do país,
como Valor Econômico, IstoÉ Dinheiro e Época Negócios, Teixeira é
palestrante com experiência internacional, especializado em motivação e
desenvolvimento organizacional. Autor dos livros “Felicidade S.A”, “De
Dentro Para Fora”, (finalista do Prêmio Jabuti em 2016) e “Rotinas
Criativas”, Teixeira tem como tema de fundo em suas pesquisas as profundas transformações do mundo do trabalho e dos negócios neste começo de século 21.
Clique aqui para ouvir o podcast com Alexandre Teixeira sobre futuro do trabalho pós-pandemia.
E leia a seguir a entrevista:
Pergunta. Você vai lançar em breve o seu quarto livro, que aborda o futuro do trabalho. Pode contar mais sobre o tema analisado na obra?
Resposta. Futuro
do trabalho é um tema super amplo, tenho um pouco de medo dele porque
está cheio de futurólogo por aí. O livro novo é minha primeira coautoria
―a parceira no projeto é a Clara Cecchini, uma atriz de formação que
também trabalhou no Terceiro Setor. Hoje ela é uma consultora apaixonada
e estudiosa por educação e aprendizagem, o que dá uma ideia importante a
respeito de um dos temas do livro. A obra parte de uma questão, de um
diagnóstico sobre como as novas tecnologias de automação ―que estão
muito ligadas ou movidas à inteligência artificial e machine learning― estão provocando e vão provocar ainda mais
no mundo do trabalho nas próximas décadas. Uma segunda questão
importante é como se manter relevante nesse novo mundo do trabalho, em
que uma parte crescente das atividades vai ser desempenhada por máquinas
inteligentes. Tratei muito mais do diagnóstico e dos impactos das novas
tecnologias sobre o mundo do trabalho, e a Clara trouxe conhecimento e
pesquisa sobre como se manter eternamente aprendendo para, se possível,
estar sempre um passo à frente dos processos de inovação.
P. Como fazer para estar sempre aprendendo e um passo à frente?
R.
É bem difícil, não tem uma fórmula pronta. Uma das recomendações
inevitáveis é manter uma atitude que a gente chama no livro de um eterno
aprendiz. Outro conceito importante é o de aprendiz ágil. É até uma
brincadeira com “aprendizagem/aprendiz ágil”. O que é um aprendiz ágil? É
trazer um pouco dessa ideia de agile, de ser ágil e flexível, algo que está muito forte no mundo corporativo. No caso da aprendizagem,
é sempre se perguntar o que é necessário aprender em termos de
competências novas. Isso vale tanto para aquelas competências mais
duras, como programação, como para o desenvolvimento de soft skills,
o que tem a ver com aprender a se relacionar melhor com as pessoas e
com criatividade. Criatividade talvez seja um conceito-chave desse novo
desafio, porque as máquinas fazem já muita coisa. Elas estão aprendendo
rápido a fazer tarefas, mas ainda são bastante limitadas em relação à
criatividade. As máquinas já criam em todos os campos, inclusive no
artístico, mas num nível em que ainda não se tornaram uma ameaça ao
trabalhador de carne e osso. Por isso pensar em aprender sempre e se
perguntar o tempo todo “qual a próxima coisa que preciso aprender” – e
também ser ágil para adquirir novas disciplinas e se desapegar de coisas
que já aprendeu antes – talvez nos dê uma ideia de como se manter um
passo à frente da automação.
P. Isso pode ser um
pouco difícil para as pessoas, já que a experiência e o conhecimento
acumulados teriam menos importância do que tinham antes?
R.
Sim e não. Por um lado é verdade porque coisas que aprendemos ao longo
da vida se desatualizam e se desvalorizam. Quase tudo que é repetitivo
se desvalorizou e seu valor vai tender a zero porque as máquinas vão fazer.
E aqui posso falar tanto de gente de contabilidade como de jornalismo,
por exemplo. O levantamento de dados mais cotidianos e a apresentação
disso para o público – seja na área financeira, como informações sobre o
movimento da Bolsa de Valores, seja na área esportiva, como noticiar
placar de jogos de futebol – podem ser consideradas tarefas repetitivas.
Dentro das empresas, hoje já existe de uma série de “robôs”, os
algoritmos, que fazem esse tipo de trabalho. Então essa experiência
adquirida em funções repetitivas, sim, está se desvalorizando. Mas
quando pensamos em atributos de liderança, relacionais, tudo o que é
ligado à criatividade e a métodos criativos não está se desvalorizando,
até onde consigo enxergar. Talvez ao contrário: a experiência acumulada
no gerenciamento de equipes, por exemplo, pode vir a ser mais valorizada
do que no passado.
P. Pensando nas transformações
do mundo do trabalho, que sugestões você daria para profissionais de
economia criativa? Lembrando que nesse universo há muitos profissionais freelancers que trabalham sozinhos, pessoas que fazem parte da chamada gig economy.
R. São duas questões difíceis de sintetizar na mesma resposta. A própria expressão gig economy soa charmosa, mas podemos pensar nela como a economia do bico.
P. E da precarização do trabalho.
R. Essa é a primeira ressalva. Quando falamos de gig economy,
estamos falando de quem? De profissionais como vocês e eu, que em
alguma medida têm atividades desenvolvidas por conta própria, ou dos
milhões de brasileiros que estão vivendo de bico durante a pandemia?
Muitas pessoas já viviam assim antes, mas agora há uma aceleração do
desemprego e mais pessoas recorrem a essa economia do bico.
É preciso fazer essa distinção. Mas para pessoas que têm uma
qualificação razoável, que têm capacidade de se manter aprendendo, essa
mudança na maneira de enxergar o trabalho traz oportunidades e desafios.
Por um lado há uma insegurança crescente, com a precarização das
relações de trabalho, algo predominante num país desigual como o Brasil.
Mas quando olhamos para uma determinada camada da pirâmide social, a
flexibilidade surge como um valor importante. E se tem muita gente
trabalhando por conta própria, o grande diferencial é a capacidade de
criar, de trazer algum tipo de inovação para aquilo que, de outra
maneira, seria commodity.
P. A pandemia
escancarou a precarização do trabalho. Não é só no Brasil, mas também
nos EUA, uma economia dinâmica que estava com pleno emprego e que agora
passou a ter um desemprego muito elevado. Há um universo grande de
pessoas sem proteção social, pois tinham só aquele emprego e não têm
reservas. Você acredita que o coronavírus vai mudar a maneira como se
enxerga a gig economy?
R. Precisa mudar. Se
não mudar, será uma irresponsabilidade grotesca da sociedade. O
processo de precarização do trabalho está em curso há bastante tempo. O
que a pandemia traz é uma brutal aceleração desse processo - não só
desse, mas de todos os outros. A pandemia da Covid-19 não cria novas
realidades, mas acelera processos de mudança que já vinham acontecendo,
inclusive o da precarização das relações de trabalho. Nos EUA isso
acontece ainda mais rápido porque lá existe uma legislação de trabalho
bem mais flexível que a nossa, o que tem um lado bom e um ruim. O ruim é
que é mais barato e rápido para as empresas demitirem. A gente viu a
taxa de desemprego nos EUA cair de um nível que era baixíssimo, entre 4%
ou 5%, um regime de pleno emprego na prática, e agora subir para a casa
dos 25%, dependendo da maneira de como se faz o recorte dos números. No
Brasil não há um movimento tão rápido de demissões, porque é mais caro
demitir aqui, mas isso também já está acontecendo de maneira expressiva.
P. No
Brasil temos como problema o fato de que só metade da força de trabalho
era formalizada. Isso quer dizer que há uma proteção maior para o
trabalho formal, mas metade da força de trabalho já estava desprotegida.
Nesse sentido, essas pessoas estão sem nada.
R.
Era mais ou menos metade, e vai ser muito mais a partir de agora. As
pessoas estão perdendo emprego e vivendo de bico. Essa realidade, que
agora está escancarada, vai ter de ser tratada. Porque várias forças
importantes de transformação que vemos hoje convergem para o aumento da
desigualdade e da precarização. Estávamos falando das novas tecnologias
como uma ferramenta de automação. Isso tem um lado muito positivo porque
gera um aumento brutal da produtividade do trabalho, mas também tem um
lado ruim, que é aumentar o abismo entre trabalhadores muito
qualificados e criativos e aqueles que têm um nível de qualificação de
médio para baixo. Existe um elemento aí que tende a colocar a desigualdade num ponto inédito na história da humanidade. Se somarmos a pandemia a isso, o processo é acelerado.
P. A
pandemia trouxe a educação a distância para o primeiro plano, mas isso
impõe o desafio de ensinar e de aprender remotamente. O que você projeta
para essa área?
R. Aprender remotamente é um desafio, e não funciona bem para todo mundo.
Durante um bom tempo vai ser necessário aprender de forma remota ou
desistir de aprender. Idealmente, haverá um momento no futuro em que vão
se desenvolver modelos híbridos de aprendizagem – uma parte a
distância, uma parte presencialmente. Porque experiência é uma parte
muito importante nesse processo. Mas essa aprendizagem que se dá em
casa, só com você e o computador ou celular, é nova pra todo mundo. Isso
traz inovação muito rapidamente em modelos de EAD ― seja numa live ou
aula online ― e também em soluções que possibilitem que as pessoas
mantenham um registro de seu aprendizado de forma que não ele não fique
tão disperso ou caótico. Porque se você começar simplesmente a assistir lives e
a comprar cursos, sem nenhum método e sem registrar em algum lugar o
que aprendeu, é como se você não monitorasse o que está aprendendo. Isso
talvez seja empobrecedor para você mesmo e para sua carreira, na medida
em que não sinaliza para o seu empregador atual ou futuros empregadores
ou clientes o que está sendo agregado à sua formação.
P. A
pesquisa e a redação do seu novo livro foram feitas antes do
coronavírus. Fazendo uma análise hoje, você diria que a pandemia mudou
sua visão a respeito de alguma área ou tema abordado na obra?
R. O livro realmente não traz uma reflexão sobre como a pandemia impacta os processos de transformação no mundo do trabalho
ou de aprendizagem, pois ele está na editora neste momento. Uma ideia
que considero fundamental – para todos os processos anteriores e também
agora – é a da pandemia da Covid-19 como uma grande máquina do tempo,
uma aceleradora de partículas culturais. Digo isso no sentido de que
vários pequenos movimentos que estavam sendo gestados havia tempo agora
são acelerados ― o coronavírus não traz nada de novo. Se observamos o
mundo do trabalho, há um conceito estabelecido que é o de ROWE (Results Only Work Environment,ou
ambiente de trabalho apenas de resultados). Esse tipo de ambiente é,
por definição, mais flexível e mais fluído. Se um gestor está preocupado
apenas com o que o funcionário vai entregar, por princípio ele não
precisa se preocupar – a não ser que esteja numa operação fabril ou de
serviços presenciais ao público – em saber onde e em que horário as
pessoas da equipe dele estão trabalhando.
P. Com a pandemia isso está ficando mais forte, não?
R. Muito mais forte. Vejo muitas empresas que antes eram resistentes a liberar um dia de home office
por semana para suas equipes sendo obrigadas agora a trabalhar com 100%
de forma remota todos os dias da semana. É um experimento que de outra
maneira não aconteceria. E o que isso revela? Como regra, trabalhar
remotamente aumenta a produtividade -
isso também não é novo, existe farta literatura sobre isso desde 2012. E
também não vale pra todo mundo, há várias ressalvas: muitos não se
adaptam ou não têm condições de trabalhar em casa por não terem um
ambiente minimamente confortável. Mas a regra é que o trabalho remoto
aumenta a produtividade. Ele tende, porém, a reduzir a criatividade.
Isso porque uma parte importante do processo criativo é a fricção das
ideias, aquele momento em que se coloca uma ideia para “apanhar”, para
que ela encorpada ou descartada. Isso muito vezes acontece no ambiente
presencial, no cafezinho, naquele momento em que você, enquanto toma
água ou café, começa a conversar com um colega da empresa, que pode ser
até outra área. É assim que às vezes surge uma ideia nova, que pode ser
melhorada ou derrubada.
Este texto foi publicado originalmente na plataforma A Vida no Centro.
Fonte: https://brasil.elpais.com Por: Clayton Melo e Denize Bacoccina
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