domingo, 17 de maio de 2020

+ Leitura - A Estranha Máquina extraviada



Estranha Máquina Extraviada é um volume de contos dos mais importantes da obra de José J. Veiga. Os temas tratados de forma aguda e inquietante orientam o leitor na descoberta do que vai por sob a aparente normalidade do cotidiano.

Sem dúvidas, um dos aspectos mais impressionantes dos contos deste livro – como de resto, de toda a obra de José J. Veiga – é a linguagem que, por sob a transparência, a objetividade e a clareza simuladas, reserva ao leitor os maiores espantos, engendrados meticulosamente como se fossem coisas naturais.

No entanto, o leitor não poderá jamais arguir em sua defesa não ter sido prevenido pelo narrador acerca dos eventos incomuns em progresso na narrativa. Esses eventos anormais são sempre antecipados da forma mais evidente possível. Se escapam ao leitor é porque ele, contraditoriamente, se deixa iludir pela franqueza das palavras, concordando em penetrar inocente em mundos perturbados, tal como um inocente banhista se lança com prazer em águas plácidas, mas prenhe de riscos imprevistos. No início deste livro lê-se:

“O mascate escolheu um mau dia para bater em Sumaúma... Também se ele adivinhasse não estaria naquela vida. Ele já tinha estado ali algumas vezes, e da última jurara nunca mais voltar.”

O texto é límpido como um mar sem rugas, porém, os eventos funestos, improváveis, incontornáveis já foram anunciados. A placidez da linguagem ofusca as intenções, e o leitor, ante a natureza perturbadora dos fatos, se vê forçado a retornar um parágrafo para se certificar do que leu.

Mas a dúvida permanecerá, como uma sutil vibração na planura cristalina da água. Mais adiante, confirmadas as impressões, o leitor ainda se perguntará: li direito ou perdi algo? Retrocederá então alguns parágrafos incrédulo de que o narrador o tenha verdadeiramente atirado aos abismos ignotos sem nunca ter mitigado uma só linha, uma só palavra, uma só advertência explícita.

Por isso, o melhor a fazer, é sempre desconfiar das melhores intenções dos narradores destes contos inquietantes e deliciosos, como mar límpido e sem sombra de ondas... mas prenhe de tubarões.





Fonte: https://br.answers.yahoo.com Por Ju Perry

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