sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Geladeiras com livros são distribuídas ao longo da Região Metropolitana e Interior do Estado

Leituras são facilitadas com os projetos Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco

Eu leio, tu lês, eles leem e todos podem mergulhar nas páginas de um livro de aventuras, suspirar com histórias de romances, folhear revistas ou se deliciar entre gibis e literatura de cordel. Basta abrir a geladeira ou a máquina de lavar pratos que lá estarão todos eles.

E nem precisa pagar nada, mas são bem-vindos as trocas, doações e, principalmente, o compartilhamento das iniciativas voluntárias que têm sido implementados em espaços públicos e privados do Recife e da Região Metropolitana, com o reaproveitamento de eletrodomésticos transformados em “cantinhos” para leitura em praças, conjuntos habitacionais, escolas e centros de compras.

O intuito é genuíno: atrair novos e velhos leitores, que podem encontrar gêneros literários variados, para uma leitura rápida no local ou para levar para casa e, ao seu tempo, degustar da obra escolhida. “Eu ficava sentado, esperando os clientes, e a leitura ajudava a passar o tempo. Aos poucos fui levando mais livros e comecei a pensar numa forma de deixá-los, também, para outras pessoas que passavam por ali. Montei uma ‘banquinha’, mas era pequena, sabe? Eram muitos livros”, contou Genilson Alves, 53 anos, que trabalha como chaveiro nas imediações, há pelo menos 19 anos, e é o idealizador do espaço montado no bairro de Casa Forte, em uma praça que fica em frente ao Pomodoro Café, Zona Norte do Recife.

Mas “eram muitos livros”, o local que passou a ser chamado por ele de “Leitura Para Todos”, precisava ser ampliado. Nada que uma máquina de lavar pratos que não servia mais para a finalidade a qual foi desenvolvida, não resolvesse o problema. “Um colega ia se desfazer dela, mas estava novinha. Levei para a praça, incrementei com uma espécie de estante em cima dela, e deu certo”, completou Genilson que já fala em aumentar o acervo e, claro, um outro eletrodoméstico. Porque o que inicialmente foi pensado para atender a poucos, passou a satisfazer a muitos.

“A ideia cresceu, passei a contar com a ajuda de voluntários que cedem livros, com pessoas que nem conheço mas chegam, abrem a mala do carro e deixam dezenas de obras. Há outra pessoa, também, responsável pela limpeza e organização”, contou ele, satisfeito e orgulhoso do amigo Adelson Félix, que fez questão de citar, entre os que integram o "mutirão de cultura e cidadania" do local.

"Por causa de algumas pessoas que acho que não entenderam a proposta do 'Leitura para Todos' e, por exemplo, pegam os livros para vender, ainda mantenho muitas obras em casa. Abri uma página no Facebook com o acervo que não está na máquina de lavar e basta escolher e marcar para ir pegar, que eu levo", contou Genilson. Ele buscou a alternativa nas redes sociais, como forma de evitar que a ideia do projeto seja distorcida pelos poucos que desprezam ações.

Assim como Genilson, outros protagonistas tomam à frente, arregaçam as mangas e contribuem para estimular a leitura e dar acesso a quem carece dele. A exemplo da dona de casa Maria Lígia Silvestre, 58 anos, moradora do Conjunto Habitacional Padre José Divaldo, também em Casa Forte. “Por aqui existem muitas crianças que não saem do celular. Vi em alguns lugares as geladeiras com os livros, e pensei que elas poderiam estar onde moro também. Produzimos uma e está cheia de livros dentro. Mas quanto mais melhor, né?”, ressaltou a moradora que deu o nome ao eletrodoméstico de “Geloteca”.

No Bairro do Recife, o comerciante José Dimas também implantou uma geladeira no Royal Comedoria e Bar com literatura de cordel, gibis, revistas e livros à disposição dos frequentadores. "Dar uma utilidade a uma geladeira que estava ocupando espaço e que agora serve como local de leitura para quem se interessar. Ainda não tivemos retorno, passa invisível para uma maioria, mas há sempre alguém que chega e folheia."


Iniciativa chega à periferia por meio de instituições


O projeto Periferia&Cidadania, idealizado pelo professor Sérgio Santos, que criou a “Geladeira Cultural”, é um dos vieses de suas ações junto a populações periféricas. Como ele mesmo afirmou, “transformar a velha amiga da cozinha em prateleiras para livros, é uma forma barata e de fácil adaptação de incentivar a leitura”. Customizada por artistas plásticos e pelas próprias crianças, com trabalho de grafitagem, o colorido lúdico e atraente que desperta curiosidades, é um dos pontos altos das geladeiras do projeto, que reaproveita o eletrodoméstico para torná-lo um ambiente voltado para a leitura.

“Iniciamos o Geladeira Cultural em 2013 e atualmente temos 47 equipamentos implantados em bairros da Região Metropolitana do Recife. Conseguimos levar, também, para as cidades de Pesqueira e Sanharó, mas o desejo é de deixar muitas outras no Sertão e Agreste. Já recebemos pedidos de outros estados e até de outros países”, contou.

A iniciativa conta com geladeiras recheadas de livros em escolas, instituições de ensino superior, delegacias, associações de moradores, centros culturais, coletivos sociais e inspirou, por exemplo, o Serviço Social do Comércio, dentro do Sesc Ler, em Pernambuco. A instituição privada levou a ideia de Sérgio para a unidade de São Lourenço da Mata, como uma forma de ampliar ações de incentivo à leitura no espaço e aproximar a população dos bairros próximos, que poderiam ter em comum, um ponto de encontro cultural.

"Recebemos fotos de outros projetos semelhantes, como o 'Geladeira do Saber', 'Geladeira Literária', 'Geladeiroteca', entre outros. São versões de uma ideia concebida para transformar vidas, porque os livros têm esse poder. Não tenho, precisamente, o número de leitores que o Periferia&Cidadania conseguiu formar, mas sei que as geladeiras cumprem a missão de saciar o sonho de muitos deles", concluiu Sérgio.

“O intuito é fazer com que a comunidade abrace a ideia e adote a geladeira. Gradativamente chegamos às pessoas, com campanhas de doações de livros e depois chegamos com as geladeiras. Em 2016 levamos o equipamento para os distritos de Lajes e Matriz da Luz, que ficam na zona rural de São Lourenço. O Terminal Integrado de Camaragibe também recebeu a geladeira, além de outras localidades que foram contempladas com a proposta”, contou Rayssa Soares, responsável pela coordenação de ações culturais do Sesc do município.

E como reforça o próprio idealizador do Periferia&Cidadania, a biblioteca do projeto é direcionada a todos os públicos, sem faixas etárias definidas. Ilustra bem essa afirmação a “Geladeira Cultural” implementada recentemente no Camará Shopping, mall localizado em Aldeia, Camaragibe. Também por meio do Sesc, o Piso L2 do centro de compras passou a contar, recentemente, com o eletrodoméstico. A proposta é a mesma: basta chegar e levar para casa o livro que quiser.

“É pegar a leitura que interessar e matar a ‘fome de arte’, levar para casa e gerir, cada um ao seu tempo, o processo de leitura. E é interessante porque é comum ver pessoas que pegam um livro e voltam com três para doação”, enfatizou Rayssa que ressaltou, também, a receptividade dos frequentadores e dos funcionários do shopping com a chegada da iniciativa.

“A aceitação tem sido muito boa e, neste primeiro momento, estamos com monitores no local para auxiliar, porque as pessoas ainda se mostram acanhadas, estranham e acham que não podem pegar os livros. A receptividade tem sido bacana, também, por quem trabalha no shopping, pois tem aproveitado o intervalo para escolher uma leitura”, completou Rayssa.

A estudante universitária Edilma Maria de Moraes de fato ficou intimidada em se aproximar, até perceber que poderia de uma forma simples, abrir e pegar o livro que desejasse. "Vi que havia um movimento no local, me aproximei e quando dei por mim, estava com uns três livros infantis na mão para escolher e levar para minha filha", contou ela, que já está separando em casa outras obras para doar à geladeira cultural do shopping.

Para a gerente de marketing do mall, Peggy Corte Real, a “Geladeira Cultural” se adequou à ideia do centro de compras, que preza por ações culturais e, em especial, por incentivos a iniciativas sustentáveis. “Além do compartilhamento dos livros, é dado um novo uso a um eletrodoméstico que seria descartado no meio ambiente. O espaço cedido pretende engajar ainda mais o nosso público com projetos ambientais, reforçando a importância de evitar o descarte incorreto desse tipo de objeto.”





Fonte: www.folhape.com.br  Por: Germana Macambira

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