terça-feira, 5 de maio de 2020

Escritora israelense Ayelet Gundar-Goshen diz se inspirar em Clarice Lispector


Em uma viagem pela Índia, a jovem Ayelet Gundar-Goshen encontrou com um garoto israelense que passou dias estático em um hostel. Ao perceber que ele não comia, conversava ou até mesmo fumava um cigarro, como ela conta, decidiu se aproximar. Logo no começo da conversa, ele contou que havia atropelado um homem indiano – e fugido – havia poucos dias. A cena não saiu da cabeça de Ayelet anos a fio e, por isso, decidiu transformá-la no ponto de partida de Despertar os Leões (Todavia), romance da escritora israelense que chega neste mês ao Brasil.

Depois de atropelar um refugiado, o neurocirurgião Eitan Green foge. O que ele não esperava é que a viúva da vítima tivesse testemunhado o crime e ressurgisse para chantageá-lo. “Para mim, sempre esteve claro que a pessoa que atropela é um homem branco, o animal mais poderoso da cadeia alimentar. No início, eu não sabia se a testemunha seria um homem ou uma mulher. Quanto mais eu pensava a respeito, mais eu percebia que tinha de ser uma mulher. O tradicional papel feminino – observar e ficar quieta – é repentinamente transformado porque o que ela vê dá poder sobre esse homem. Os papéis são trocados”, diz Ayelet a Marie Claire.

Embora não seja o tema preponderante, a opressão feminina também está presente em seu primeiro romance, Uma Noite, Markovitch (Todavia), lançado no Brasil na Feira Literária de Paraty do ano passado. Inspirado em uma história real, conta a trajetória de um povoado que se firmou em Israel antes mesmo do estabelecimento do território como país. Os personagens principais são o próprio Markovitch que se casa com Bela apenas com o objetivo de que ela deixe a Alemanha e a perseguição nazista e se estabeleça na Judeia – mulheres só poderiam viajar acompanhadas. Uma vez no Oriente Médio, o casamento seria desfeito, mas ele se recusa a dar o divórcio.

“Foi algo que aconteceu 60 anos atrás. Durante a Segunda Guerra, uma operação levou um grupo de fazendeiros judeus da Palestina para a Europa. O plano era fazer casamentos fictícios com mulheres judias que viviam lá porque elas não podiam entrar desacompanhadas em Israel, que ainda seguia leis britânicas. Era a maneira de salvá-las do nazismo na Europa. A verdadeira Bela era realmente bela, o tipo de mulher que paralisa os homens e faz as tartarugas andarem para trás”, afirma Ayelet, que também usa recursos fantásticos nesse romance.

Psicóloga em atividade e casada com um israelense de família brasileira, ela diz que Jorge Amado e Clarice Lispector são brasileiros que não saem de sua cabeceira e também fontes de inspiração. Além de escrever, ela atende em consultório e dá aulas de escrita criativa em um hospital psiquiátrico. “Penso muito na conexão entre a psicologia e a literatura. Ambos os trabalhos pedem que deixemos nossas próprias peles por um momento para entrar na cabeça de outra pessoa.” Um exercício de empatia, vamos ser honestxs, não faria mal a ninguém.


Despertar os Leões, (Todavia, 368 págs., R$ 69,90) (Foto: Divulgação)






Fonte: https://revistamarieclaire.globo.com       Por MARIA LAURA NEVES
Imagem: Ayelet Gundar-Goshen (Foto: Getty Images)

Nenhum comentário:

Postar um comentário