segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Livros que viraram filmes


Há diversos filmes produzidos a partir de obras originalmente publicadas em livros. Tanto o filme quanto o livro comunicam-se com seus públicos, mas, naturalmente, por serem meios distintos de comunicação, cada um possui suas vantagens e desvantagens. É inviável a comparação entre um e outro justamente porque são maneiras diferentes de se ter contato com um conteúdo, são maneiras distintas de interpretação de um mesmo ponto.

Comparando as obras literárias com as produções cinematográficas, é possível dizer que as primeiras tendem a ter mais nitidez de detalhes, ao passo que os filmes costumam perder em riqueza de seu conteúdo, mas ganham ângulos, som e outros tratamentos de imagem.

Isso acontece porque ambas as obras fazem uma representação do mundo real, ou seja, aquilo que temos de experiência imediata e, em se tratando de representações de experiências, a escrita costuma ter mais objetividade, sendo a leitura muito mais direta e contextualizada. Por outro lado, o filme tende a possibilitar uma leitura mais rica, embora mais subjetiva, porque não possui um ponto de vista específico como o da escrita (vinculado ao narrador) – visto que é uma adaptação passível de mudanças de ângulos, cortes, edições e adaptações.


O processo de adaptação

Os livros que viram filmes passam a ganhar outra interpretação, não significando ser melhor ou pior que o próprio livro, ainda que muitas adaptações de livros para o cinema acabem por deixar muito a desejar. O problema mora não na adaptação de um meio linear para um imagético em si, mas sim nas formas empregadas pelo diretor para representar a história escrita.

Sendo assim, há filmes que conseguem, por meio das imagens e do som, passar a informação tão bem quanto a escrita, no entanto, cada uma a sua maneira. Para exemplificar, analisaremos a seguir a obra Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, e sua respectiva adaptação para o cinema, bem como Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago e também adaptado para o cinema.
Análises de adaptações


Morte e vida severina
Da esquerda para a direita: adaptação em filme e livro de ‘Morte e vida severina’.

O poema, que possui sua musicalidade marcada por meio de rimas e combinações fonéticas, ganha uma musicalidade específica quando narrado pela voz do ator. Ainda que a escrita represente tal musicalidade, não o faz até que o leitor, por iniciativa própria, faça a leitura em voz alta e com certa entonação e pausas adequadas.

Conforme o site Cinemateca Brasileira, o filme, com direção e produção de Zelito Viana, foi lançado no ano de 1977, enquadrando-se no gênero de musical. Tanto o poema escrito quanto o filme retratam a história do retirante Severino, que, saindo da Serra da Costela, procura por um lugar em que possa trabalhar e sustentar-se.

Fugindo da seca e da fome, o personagem passa por vários lugares, entre eles o velório de outro Severino, que, conforme descreve o autor, ‘estão cantando excelências para o defunto’. Essa cena, no livro, é descrita linearmente em 23 estrofes. No filme, tal cena ganha não só musicalidade, mas também um ângulo, uma perspectiva, uma iluminação, que passam a compor uma interpretação da situação.

A imagem, de dentro da casa escura e humilde que velava o defunto, por meio de uma janela, enquadra Severino da Serra da Costela chegando debaixo de sol forte, podendo representar, nessa cena, a vida que há no sol por meio da imagem iluminada de Severino vivo, em contraste com a sala escura que vela Severino defunto. Tudo isso acontece com os cantos fúnebres, que o livro descreve por meio de palavras.

Sendo assim, o filme foi capaz de apresentar uma possibilidade de interpretação tal qual o livro fez, só que de maneira diferente. Percebe-se que ambos os meios de comunicação (livro e filme) são capazes de transmitir uma informação, no entanto, cada um a seu jeito.


Ensaio sobre a cegueira
Da esquerda para a direita: adaptação em filme e livro ‘Ensaio sobre a Cegueira’.

Outra obra que foi aclamada não só em sua versão escrita, mas também em sua versão audiovisual foi o livro Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, que ganhou Nobel de Literatura, sendo o único autor de língua portuguesa a ganhar um Nobel; e seu filme, adaptado em 2008 pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles. O filme abriu o Festival de Cannes no mesmo ano de seu lançamento.

Saramago dizia que ‘o cinema destrói a imaginação’, uma vez que, de fato, a imagem que a tela apresenta passa a configurar a imagem definitiva e, por isso mesmo, o autor não permitiu inúmeras tentativas de interpretações audiovisuais de sua obra, com medo de comprometê-la com a imagem de sua adaptação. No entanto, o próprio autor mostrou-se contente com a adaptação de Meirelles.

O livro aborda um fenômeno inexplicável de cegueira branca que vai atingindo pouco a pouco todos os cidadãos de uma cidade, gerando imagens ficcionais bastante fortes tanto pelo teor da caracterização do espaço e da história quanto pela própria forma da escrita, que cria e explica de maneira envolvente como é a visão dos personagens, seus entendimentos de si e do entorno e também como é a visão da mulher do médico, a única personagem capaz de enxergar o mundo e sua real situação.

Na história, os primeiros infectados com a suposta doença que causava a cegueira branca – uma cegueira que tornava a visão branca como se estivesse imerso em leite – passam a ficar em quarentena em uma espécie de hospital e, ali, em uma pequena sociedade de cegos, os que possuíam mais recursos, como saber ler Braile, passavam a comandar violentamente os demais, fazendo uma reflexão sobre como a sociedade seria se todos fossem cegos, comprovando que a subjetividade de cada um cria interpretações pessoais que nem sempre dialogam com a realidade das demais pessoas do entorno.

Para a adaptação do livro em filme, foram empregadas técnicas de foco e desfoque, superexposição e variações de tons na imagem, que proporcionaram interpretações visuais do texto análogas às da escrita, sendo, portanto, outro meio de interpretação da mesma história.

Por Me. Fernando Marinho

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